A guerra na Ucrânia… e para lá dela — “A lua de mel entre a Polónia e a Ucrânia é resfriada por armas e cereais” por María G. Zornoza

Seleção e tradução de Francisco Tavares

3 min de leitura

A lua de mel entre a Polónia e a Ucrânia é resfriada por armas e cereais

 Por María G. Zornoza

Publicado por  em 21 de Setembro de 2023 (original aqui)

 

Tanques de combate Leopard 1 cobertos. – Axel Heimken / DPA PICTURE-ALLIANCE VIA AFP

 

A um mês das eleições, o ultraconservador PiS entoa o Polonia First e distancia-se do seu vizinho e aliado ucraniano para não irritar o mundo rural no segundo país com mais agricultores da UE.

 

Há alguns meses, era quase impossível imaginar que a Ucrânia denunciaria a Polónia à Organização Mundial do Comércio. Ou que o país que mais apoiou Kiev na sua defesa com a Rússia congelasse o envio de armas e comparasse Kiev a um homem desesperado que se afoga. O idílio entre a Polónia e a Ucrânia atravessa o seu pior momento desde o início da guerra marcado pela crise dos cereais, por uma crescente fadiga internacional após 19 meses de combates e, sobretudo, pelas eleições de 15 de outubro na Polónia, nas quais o partido ultraconservador lei e Justiça (PiS) — aliado de Vox [Espanha] na Eurocâmara — tem em jogo o poder após oito anos com ele.

A Polónia é o país da UE que assumiu a liderança financeira, migratória, política e militar para ajudar a Ucrânia a combater a Rússia, seu inimigo comum. O país do Leste destinou 0,5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para sustentar o seu aliado, abriu as portas a mais de dois milhões de refugiados ucranianos, foi dos primeiros a enviar caças (soviéticos) para a frente de combate e é o país do mundo que mais orçamento destinou à doação de material bélico em termos reais. Segundo o Instituto Kiel, mobilizou um total de 3.000 milhões de euros em ajuda militar.

Mas na quarta-feira à noite, o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, surpreendeu ao anunciar o congelamento de armas: “a Ucrânia está a defender-se do brutal ataque russo e compreendemos isso, mas protegeremos o nosso país. Já não transferimos armas porque estamos a armar a Polónia”, afirmou, em palavras que muitos analistas interpretaram como a defesa do Polonia First para as eleições de 15 de outubro. Esta data será a grande prova para ver até que ponto o anúncio era produto da tensão diplomática que dois vizinhos atravessam nas últimas semanas produto da crise dos cereais ou um mero slogan eleitoral.

De qualquer forma, o cruzamento de acusações e advertências não cessa há algum tempo. A Polónia até ameaçou cortar as ajudas sociais e económicas dos refugiados ucranianos. O presidente Andrzej Duda chegou a comparar o país a um homem desesperado que está se a afogar. “Alguns dos nossos amigos na Europa vão de solidários”, mas na realidade estão “a pavimentar o caminho para a Rússia”, respondeu o seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski, na Assembleia Geral da ONU que se celebra esta semana em Nova York.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, e o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, abraçam-se durante uma entrevista coletiva em 24 de fevereiro de 2023. – Viacheslav Ratynskyi / REUTERS

 

Após estes choques, contínuas chamadas para consultas de embaixadores por parte de ambos e encontros cancelados, na sua passagem pela cidade americana, o presidente lituano, Gitanas Nauseda, empurrou os dois líderes a sentarem-se à mesma mesa para dialogar para resolverem as suas diferenças “o mais rápido possível”. Nauseda ofereceu até aumentar o trânsito de cereais pelo corredor da Lituânia.

 

Crise dos cereais

Em 15 de setembro, expirou a medida extraordinária pela qual a UE proibiu a exportação de cereais ucranianos para os países mais próximos: Polónia, Hungria, Eslováquia, Bulgária e Roménia. O valor da importação de cereais ucranianos para estes cinco países duplicou após o início da guerra, passando de 7.000 milhões de euros para 13.000 milhões. Os três primeiros ignoraram a caducidade da medida europeia e continuaram com o seu veto. Kiev, por sua vez, respondeu denunciando-os à OMC.

A relação entre a Ucrânia e a Polónia começou a ficar tensa há meses devido à conjuntura dos cereais. Varsóvia denunciou que a chegada massiva de cereais ucranianos estava a inundar os seus mercados e a colocar os seus agricultores em perigo. No marco deste primeiro desencontro, as autoridades polacas sugeriram às de Zelenski que “começassem a apreciar e a valorizar” os seus aliados.

O voto rural será fundamental para decantar a balança das urnas que estão ajustadíssimas. Dentro de três semanas, o PiS poderá perder a sua hegemonia após oito anos no poder. Tempo durante o qual minou a separação de poderes e o Estado de Direito com uma muito polémica reforma judicial que provocou um choque com Bruxelas.

A terceira reeleição passa pelo campo e o PiS sabe disso. A Polónia é o segundo país da UE com mais agricultores, atrás apenas da Roménia. 40% da população polaca vive em áreas rurais. E é nesta conjuntura em que o apoio do PiS à Ucrânia parou onde começa a voz das urnas. A isso soma-se a ameaça do ainda mais populista Partido Conferência, que centra o discurso em mais Polónia e menos Ucrânia.

Com as últimas medidas desta campanha eleitoral, o executivo que move na sombra Jaroslá K Kacynski vai fazer todo o possível para não irritar os seus agricultores e criadores de gado, mesmo que isso se traduza em irritar a sua amiga e vizinha ucraniana. “Ele destrói os agricultores polacos, queima pontes com a Ucrânia, destrói a Europa e tira a Polónia da UE. Putin? Não, Kaczynski”, ironizou Doland Tusk, ex-presidente do Conselho Europeu e líder da oposição polaca.

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A autora: María G. Zornoza é correspondente de Público e de Deutsche Welle em Bruxelas. Licenciada em Jornalismo pela universidade Complutense de Madrid.

 

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